Sentimentos negativos são mesmo ruins?

Sentimentos negativos são mesmo ruins?

Indo totalmente contra a corrente da autoajuda e da obrigatoriedade de estar sempre bem, escrevo para que você entenda que pode e deve estar confortável com os chamados "sentimentos negativos" (e que eles podem ensinar muito sobre você mesmo!).

Pretendo que pensemos também como isso influencia na sua carreira, escolhas profissionais e no dia a dia corporativo.

Tendemos a ver tudo o que é negativo como ruim, necessariamente errado e que deve ser rapidamente combatido.

Quando nos damos conta de uma emoção negativa (ou somente dos efeitos dela, quando os estragos muitas vezes já aconteceram) rapidamente desejamos mudar o rumo, rejeitando este sentimento e nos obrigando a substitui-lo por um mais "positivo".

Nossa sociedade pede e encoraja que tudo esteja sempre bem. Nos sentimos impelidos a mostrar o sorriso, independentemente da situação ou do momento. Sendo assim, temos dificuldade em acolher aquele sentimento considerado "menos nobre". Com isso, vamos guardando emoções e tristezas em uma caixa que, em algum momento, ficará pequena demais para tanto conteúdo.

Recomendo, portanto, uma quebra de paradigma a partir deste momento, sugiro que capte sentimentos negativos, aceite-os e trabalhe em cima deles. 

A primeira coisa é conseguir olhar de fora, como se a situação estivesse acontecendo com um amigo. Como você agiria? Seria exigente pedindo logo que o sentimento fosse substituído por um mais nobre ou o acolheria, compreendendo suas necessidades e motivações. Sendo um grande amigo, você certamente o escutaria, discorreria sobre o que ele sente, apoiaria.

Por que com você mesmo isso seria diferente? Por qual motivo o nível de exigência consigo próprio tem uma medida mais severa?

Aceitar o que se sente, independente do conceito de certo ou errado é essencial. Compreender se o seu sentimento está sintonizado com os seus valores, igualmente importante. E, para isso, é necessário que você esteja plenamente consciente de quais são os seus valores.

Comece compreendendo que nem sempre é necessário e saudável estar "bem". Aceitação é o primeiro passo para começar a compreender o que realmente importa para você. Quando comento sobre valores, meu intuito é que comece a olhar para si mesmo, analisando se o que tem feito, pensado, sentido, são conteúdos verdadeiramente seus ou se o mundo tem colocado tudo isso em cima de você e pedido que dê conta.

É importante, portanto, enfrentar seus conteúdos negativos e interpretá-los. Ou seja, além de aceitar é necessário interpretar o que você está sentindo.

Aceite também que é possível mudar de ideia, de valor, de conceito sobre algo e, principalmente sobre si mesmo. Compreender que muitas coisas que disseram de você e para você não são necessariamente verdades.

"Você é péssimo em matemática, menino". Você ouviu isso a vida toda e considerou que é péssimo mesmo? Seus professores eram exigentes demais e tinham didática de menos ou você realmente não gosta de matemática? Gostaria de desenvolver esta habilidade, mas, acredita que não é capaz?

Este tipo de pensamento liga você diretamente a uma ansiedade exagerada e a uma sensação de fracasso constante: "Não consigo dar conta das coisas", "Não sou bom em nada", "Sou péssimo nos relacionamentos". "Nunca me casarei". ‘Sou um embuste”.

No dia a dia no mundo corporativo não seria diferente, um cenário em que há tanta cobrança por desempenho e performance. Se você acredita como verdade tudo o que te dizem, acaba reagindo de forma automática, sem muito critério e, na maior parte das vezes, sem muita certeza de que a resposta está alinhada à sua verdade.

Ao fim do dia você está cansado demais pois, este processo rouba muito da sua energia, que deveria estar sendo mais conscientemente aproveitada. Por isso volto aqui à questão dos seus valores e de saber de forma segura quais são eles; não estou falando de moral e bons costumes, mas daquilo que é importante e que norteia as suas ações.

Pratique: faça uma lista com as palavras que traduzam seus principais valores. Olhe para você e para o mundo como ele é de verdade e não com vieses preconceituosos ou que não reflitam a sua verdade.

Agindo desta forma é mais fácil até conviver em uma empresa, por exemplo, que não combina 100% com o que você acredita. Explico: se tenho fortemente claros para mim quais são meus valores, consigo mais facilmente lidar com um ambiente que vai contra algo em que acredito e até contribuir para uma mudança de cultura. Consigo entender aquele cenário como algo apartado de mim, ao qual contribuo de forma positiva e ética, mas que não necessariamente são o meu mundo, a única verdade que existe.

Pessoas em transição de carreira conseguem se planejar e se preparar - às vezes por anos antes desta transição - quando sabem exatamente quem são e aonde querem chegar. Elas conseguem ajustar suas velas não se deixando levar pelas tempestades do caminho.

Profissionais que têm mais conhecimento sobre si mesmos conseguem lidar com situações do dia a dia corporativo com mais agilidade. Se você se deixa levar pela primeira emoção que aparece quando acredita que um colega roubou sua ideia, como será a reação que terá? Ao contrário, se está consciente de si, seus valores e capacidades, não será mais hábil para lidar com esta situação de forma correta?

Quando a pessoa está consciente de si consegue direcionar sua energia de maneira adequada, encontrando soluções mais criativas e assertivas. Com energia direcionada, é mais fácil se sentir motivado e entusiasmado, não focando no passado, nos fracassos ou naquilo que poderia ter sido feito de forma melhor, àquelas coisas que você se prende e que te tornam obcecado.

Pessoas conscientes de si conseguem olhar generosamente para o presente e para o futuro, construindo momentos prósperos e verdadeiros.

Neste ponto, partimos para outro conceito, que é o do mindset, deliciosamente explorado por Carol Dweck em seu livro "Mindset - A Nova Psicologia do Sucesso".

Sem ampliar demais o artigo a que me propus escrever, Carol fala de 2 tipos de forma de pensar, o mindset fixo e o mindset de crescimento

Neste estudo, portanto, ela entende que o mindset fixo julga que a inteligência é inata e não pode ser modificada. Em um mindset mais produtivo, que ela chama de progressivo, a visão é de que a inteligência pode ser desenvolvida.

Ou seja, você tem escolhas!

Mas, Luciane, é muito difícil alterar paradigmas e conceitos da noite para o dia!!

Meu caro, a ideia é praticar e, a cada vez que se sentir "para baixo", analisar os motivos, os porquês daquele sentimento, qual a principal emoção, dando nome a ela, ressignificando e identificando o alinhamento que ela tem com seus principais valores.

Para facilitar, faça pequenos progressos, vá aos poucos, passo a passo, praticando a mudança de paradigma:

1. Conscientize-se dos seus valores;

2. Analise suas emoções e as interprete;

3. Dê nome ao que você sente;

4. Reflita sobre os motivos daquele sentimento;

5. Acolha seu sentimento "menos nobre";

6. Não apenas reaja, mas sinta com profundidade qual o aprendizado e o que aquela emoção fala sobre você;

7. Respire fundo agora muito mais consciente de si mesmo.

Conhece o conceito de atenção plena?

Ele pode ajudar neste processo de aceitação dos sentimentos de forma madura e na prática do autoconhecimento.

Sendo assim, a ideia é ir além da primeira reação, precipitada.

Você já deve ter começado a compreender que os sentimentos negativos têm sua utilidade, certo? Recordei-me de um desabafo que li em uma rede social de uma moça incomodada com o "conselho" da amiga que disse que ela nunca deveria ficar triste. A moça, sem pretensão de ser perita no assunto, conseguiu descrever como determinada situação pela qual ela estava passando era realmente desagradável, questionando se, sendo genuína sua queixa, por que então ela não podia se sentir triste.

A verdade é que, aquele sentimento de tristeza bem trabalhado poderia trazer muito autoconhecimento! Afinal, as emoções negativas permitem que estejamos mais inteiros conosco mesmos, abrindo espaço para a investigação da nossa forma de ser no mundo.

A maior parte dos pacientes em terapia buscou o processo motivado por um sentimento negativo. (Infelizmente) são poucos os que procuram passar por uma análise, por exemplo, quando estão em seus melhores momentos. Me formei em 2003 e até agora apenas 2 pessoas me procuraram estando bem, tranquilas e felizes pois, “queriam conhecer mais de si mesmas e se fortalecerem para os momentos mais difíceis da vida”.

Desta forma, estar passando por um momento considerado “negativo” pode abrir portar para processos mais profundos de autoconhecimento. E isso, por si só, já é uma das facetas de utilidade da emoção menos nobre, como tenho chamado.

Em relação à carreira, ao desemprego, é importante pensar que este momento - seja o da glória pela promoção recém recebida, seja pela demissão ocorrida há pouco - é passageiro e não significa toda a sua vida e história. Tristeza, ansiedade e desemprego não duram para sempre. É necessário fazer uma avaliação fria, pensando em você não apenas inserido naquela situação, mas como uma pessoa inteira, completa, com opções e possibilidades.

  • Afinal, se você com 80 anos estivesse conversando com seu "eu demitido" de 30, analisaria a questão com tanta carga emocional envolvida?
  • Você com 15 anos diria o que para o seu "eu demitido" de 30?

Entende o que quero dizer? Encontre motivação na continuidade das coisas, na continuidade de sua vida, na certeza dos seus valores e capacidades.

E aí? Já pensou em quais são os seus valores?

  • O que é verdadeiramente importante para você? O que te motiva?
  • Quem quer ser no futuro? O que está fazendo agora para ser esta pessoa?
  • Quais tipos de vínculo quer estabelecer?
  • Do que abriria mão agora? Quais medos e ansiedades têm te afastado de si mesmo e daquilo em que acredito?
  • A situação momentaneamente difícil está sendo encarada por você como eterna, como a sua única realidade?
  • A situação boa não te deixa pensar que ela pode não ser eterna e que você deve estar preparado e fortalecido emocionalmente para as mudanças?

Estabeleça esta conexão entre o que é importante para você, o que tem trazido ansiedade e como os sentimentos negativos podem contribuir para uma análise mais profunda de si mesmo.

Sentimentos negativos possibilitam que você possa ajustar seu mindset sobre si mesmo, revendo conceitos que acredita imutáveis.

"Aos 40, eu não posso mais mudar de carreira", "Se com 30 eu não tiver casado, nunca mais casarei", 'Se eu não receber uma promoção agora, nunca mais receberei".

Compreenda que este processo exige disciplina, atenção, planejamento, foco. Mas, o mais importante é compreender que você está cuidando do que (deveria ser, pelo menos) é mais importante: você, a sua autoconsciência, a sua própria sanidade, a sua vida.

Aqui, é importante parar um pouco e lembrar que, da mesma forma que não devemos apenas tentar somente substituir pensamentos negativos por pensamentos positivos, tristeza e depressão são coisas diferentes. Depressão não é frescura. Busque atendimento psicológico e psiquiátrico se entender que suas emoções negativas estão tomando conta de sua vida de forma integral e que você não está conseguindo lidar com todos os conteúdos que têm sido apresentados. Buscar ajuda é a melhor maneira de entender as diferenças entre (apenas) tristeza e depressão.

Para finalizar, desejo que você se dedique de forma madura ao seu crescimento e ao autoconhecimento.

Somos seres em constante mudança e acredito que todos devem ter a oportunidade de passar pela vida com a segurança de que podem se conhecer melhor, fazer escolhas mais assertivas e  também contar com tantas ferramentas de autodesenvolvimento disponíveis atualmente. Terapia é uma delas. Se jogue neste processo!!

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Luciane Vecchio
Psicóloga Clínica | Consultora | Mentora | Colunista | Especialista em Desenvolvimento Humano, RH, Empreendedorismo, Carreira e Liderança | Atendimento a Executivos | Revisão de CV e Perfil Campeão LinkedIn
CRP: 06/74914



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Luciane Vecchio

Autor: Luciane Vecchio

Psicóloga Clínica | Dra. Carreira e Propósito - Instagram @dravecchio | Especialista em Carreira, RH, Liderança e Empreendedorismo | Colunista de Carreira & Comportamento | CRP: 06/74914

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